sábado, 28 de fevereiro de 2009

Mãe África


O desafio era inusitado: percorrer Angola, de Luanda ao Namibe, sentir África, acampar no deserto.
Como um turbilhão, cá dentro, irromperam os apelos míticos, as seduções telúricas da Mãe África, os desejos de aventuras de deserto.
E foi…
Foi bem e foi bom.
Foram as longas rectas a perder de vista, os quilómetros e quilómetros de picadas esburacadas a ziguezaguear, com a viatura a baloiçar como um berço agitado. Foram os longos horizontes de eternidade majestosa. Foram as imensas paisagens de verdes a rivalizar na cor. Foram os imbondeiros como estátuas na paisagem de donzelas de braços erguidos a esticar os cabelos. Foram as montanhas a ampliar a grandiosidade. Foram as chuvadas a lavar cansaços.
Foi o deserto a aproximar-se e o verde a reduzir, a reduzir na forma e na cor, como fugindo.
E foi o deserto: a surpresa, o contraste, o espanto, a grandiosidade, a variedade de belo, a diferença, a pujança de vida.
E foi o ser solidário nos momentos bons e nos menos bons e o confrontar territórios pessoais. O partilhar do petisco, o comungar da beleza e dos êxtases, o saborear as piadas e as graças, o aguentar a espera, o suportar o azar, o estar disponível. Foi a meninada à volta da fogueira e o canto na noite do deserto. Foi à frente do carro, com o sinal de trânsito masculino proibido. Foi parar os carros e eles a comerem. Foi o gelo que não aparece e o gin a aquecer e os outros a esperar. Foi a bejeca que não chega e os outros a esperar. Foi a caravana que não arranca e os outros a esperar. Foi a noite a contar estrelas e o reboque que não sai. Foi outra noite os mesmos a acabar a conta das estrelas e o reboque que nunca mais chega. Foram os furos sem mais pneus.
Foi um banho de imersão na verdadeira África. Foi o deixar o caos, a confusão e a insegurança em Luanda e pendurar-se no lenço às costas da Mãe África.
Foi o ser “àmigo” sem saber que o era. Foram as aldeias de palhotas, onde plantas, gentes e bichos partilham a natureza ao mesmo nível. Foi a simpatia tranquila. Foram os mucubais, que ainda as trocam por bois. Foram as mumuílas de encantar. Foi a fruta na estrada, foi a elegância da gazela, o garbo da tua real e a humildade do punja.

Foi…

Foi a outra face do trabalho.
Foi saber que gente feliz trabalha mais e melhor


Manuel Relvas

Os carros também se abatem - Helena Magalhães







Crónicas do deserto…. - 1º dia: o dia mais longo!





A concentração estava prevista para as 3h30 da madrugada de sábado, na praça 1º de Maio, em Luanda, embora a caravana viesse a ficar completa apenas em Viana, pelas 4h15 da manhã, ou melhor, da noite porque o sol ainda não era nascido. Assim, 28 “expedicionários”, distribuídos por 9 viaturas mais ou menos todo-o-terreno, adiante se verificará que nem todas aguentaram o terreno, abalaram alegremente rumo ao destino programado, Lubango, sem suspeitarem que iriam cumprir um programinha um tanto diferente. O que, atalhando, acabou por ser o dia das picadas longas, mais para uns do que para outros, mas todos tiveram direito a participar na maratona, a evocar a conhecida cinéfila, “os carros também se abatem”, sendo que alguns tripulantes até foram “abatidos” nos entrementes. Para que conste, a primeira baixa, por avaria mecânica, aconteceu logo no período da manhã, um carro e três ocupantes tiveram de volver a Luanda. Ao almoço marcado no Huambo não compareceram outros dois, cuja viatura, algures abalroada pelo desatino de um camionista em trajectória de colisão, se despistou, tombou e capotou. Felizmente sem danos pessoais!


Voltemos aos 28 da partida que se iriam soltar em animado, e cheio de genica, pequeno almoço ao ar livre, no Dondo, sob a vigilância tutelar da portentosa acácia aparentada que domina o largo central da vila, junto às margens do Kuanza, piquenique abrilhantado por ritmos kizombeiros debitados pelo que se viria a designar carro-de-som. Olá!


Abastecimentos concluídos, viaturas inclusive, ao romper das 7h00 a caravana fez-se de novo à estrada com destino ao Huambo, cerca de 470 km mais abaixo. Estavam feitos à volta de 200km em duas horas de viagem. Até aqui ainda vai de feição medir o tempo e a estrada porque mais adiante outras considerações se alevantarão, como se há-de ver. Para já podemos ver nove “jipes” de cores e feitios diferentes em ligeiríssima rodagem, não sem alguns divertidos e bem dispostos remoques ao piloto-chefe-da-caravana , “ o engenheiro se quiser ir sozinho….”, que é como quem diz, “faça favor, que a gente não tem pressa”, até ao primeiro desentorpecer de pernas, por alturas da aldeia do Catoto, onde entre risos, ritmos e gingarias foi introduzida a gajaja, novidade para quase todos, pequeno e apaladado frutinho amarelo que um espantado menino vendia na beira da estrada. A bem dizer foi por aqui que se deu a primeira baixa, ainda não eram 8 da manhã.


Segue a excursão e segue a magnífica paisagem que se vai alterando à medida que se avança para o planalto central. Saem de cena os embondeiros, a vegetação da savana vai ficando espessa, enovelada em arrebiques de verdes, os afloramentos rochosos, e caprichosos, começam a marcar a linha do horizonte, o ar a rarefazer-se em alturas, e vão ficando pelo caminho lugarejos de cubatas e topónimos curiosos, aldeia da Pedra Escrita e outros não registados. A pretexto de um café, paragem na Kibala, e já eram feitos mais cerca de 160 km dos já anunciados 470 até ao Huambo, terrinha luminosa e simpática emoldurada por majestosa penedia que seguiria de perto e altaneira, e a cada passo mais extravagante no capricho das formas e dos bicos, a estrada até ao Huambo, a cidade do planalto, a 2600m de altitude, que nos haveria de dar de almoço uma suculenta e sápida caldeirada de cabrito, à moda da terra, num restaurantezinho vindo do tempo colonial, de muitas memórias e saudade, soube-se, para quem por ali esmoeu dias da juventude, e que a alguns dos comensais, bem amesendados, suscitaria comentários do tipo “ o cabrito ainda tinha pêlos”, e pois pudera, se tivesse escamas é que seria de estranhar… E o pior seria que tão cedo, mal sabiam, não se poria o dente em iguaria que se lhe equivalesse, e se haveria de brindar à sopita rala de couves que alta noite e maior cansaço nos aguardava no pretensioso “hotel & lodge”, verdadeiro desperdício de oportunidade e da arte de bem servir, que nos iria acomodar, sem água e mais uns senãos, por algumas horas ,já entrado o 2º dia de viagem.


De novo feitos à estrada, o combustível a fazer-se pouco, e mais poucos ainda os postos de abastecimento abastecidos, paragem técnica numa bombazita em cus-de-judas enxameada de motoretas e bidões amarelos, enfileirados no terreiro ao sol, que pacificamente dão a vez aos afobados jipes excursionistas. Já Wako Kungo, a famosa aldeia agrícola onde um completo projecto israelita semeou kibutzs que viriam a gerar importantes unidades da produção nacional, 400km rodados, mais coisa menos coisa, e nova paragem técnica, em Águas Quentes, onde a nascente se encontrou destruída (??!!), no Alto Hama, desta vez para abastecimento de frutas; vendedeiras de beira de estrada, mulheres, meninas e meninos, alguns de mama, num alvoroço garrido de panos, alguidares e tigelas, e tagarelice de “pátrãao, ámiiiga, côompra, lêevaa”.


Da reconstrução anunciada da cidade do Huambo colhe-se bom proveito na ampla praça central ajardinada e ornada com pérgulas, esculturas e repuxos, bordejada por espaçosos, e pavimentados, passeios e avenidas, e rematada por esquadria de bem recuperados edifícios de traça colonial. No mais o casco urbano promete, e em igualmente recuperado há-de ser digno de visita.


Saindo do Huambo , a bela paisagem do planalto remira-se na tira de asfalto até à Caála, a partir donde a jornada será por desvios e picadas até quase à chegada ao Lubango, na Huíla, a cerca de 400km e 6 horas de viagem, a correr bem. Sucedem-se as curvas e os desvãos, os solavancos e os sacolejos, efeito picadora accionado, atravessam-se pontes impensáveis num ranger e saltar de tabuinhas, as objectivas vão disparando num registo de fotos de pasmar, e pasmados nós também, até que o imponderável acontece: uma das viaturas não resiste ao massacre dos amortecedores e afocinha; dali não sai, dali ninguém a tira; o que a avaliar pelas condições envolventes corria sérios riscos de ser levado à letra. Foi por pouco, ufff…..


Naquele fim-de-mundo, onde o diabo perdeu as botas, nem apoio nem recurso, nem rede de telemóvel, apenas uns intrigados e curiosos habitantes dum kimbo desgarrado, as crianças apinhadas num só espanto, as mulheres a fazer de conta no pasmo e os homens a darem um ar de sua graça, comme il faut, e a avisarem que oficina só no município mais próximo, já ali, a kilómetros de distancia, e de impotência, que de nada a afoiteza dos técnicos de serviço, e do carro de apoio, podia valer. Conversa entaramelada com os simpáticos indígenas, debicando sandes e palpites, a noite a anunciar-se num impressionante céu de borrasca, enquanto um jipe já partira em busca de reboque ou oficina. Eis senão quando, no meio do nada, surge rodando pesada e desconjuntadamente um porta-máquinas, uma zorra mesmo a propósito. Encetadas curtas negociações com o solitário motorista, em penoso trânsito para o Lubango, de pronto o carro acidentado é montado em cima do atrelado que, uma vez aprontado, também de pronto se revela avariado, “desamortecido”. Donde, bem se diz que uma desgraça nunca vem só. Mas também se diz que não há mal que nunca acabe, e disso se encarregaram os especialistas da caravana, engenheirando ali mesmo a avaria. E era já noite feita quando o cortejo se pôs de novo em marcha rumo ao estaleiro mais próximo, a uns bons quilómetros de distância. E quis a sorte que tal houvesse, um posto avançado de empresa de obras públicas conhecida, porque a ela ligado um dos expedicionários, pasme-se!, onde a viatura seria deixada em guarda e repouso. Repouso dela porque o nosso, grupo do carro acidentado e acompanhantes, ainda andaria muito arredado e custoso. Enquanto tudo isto, a caravana desmembrou-se, seguiram viagem os demais, e tarde baldadamente se fazia.


Nas proximidades da quase recta de 90 km de asfalto que leva à cidade foi um desatino na noite de breu, entretanto raios e coriscos, sinalização nem vê-la, e a entrada para a estrada do Lubango disfarçada de barrancos e veredas, a tardar. E finalmente vislumbrada, os corpos entorpecidos pelo sacolejar de horas e cansaços, ala que se faz tarde, só a ideia de um banho quente e retemperador anima as almas e os aceleradores. O “hotel & lodge” não se mostrou à altura. Eram quase 3h30 horas da manhã do segundo dia. Estavam cumpridas as primeiras 24 horas.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

As primeiras fotos ....

Vou colocar as primeiras imagens de alguns milhares que foram obtidos nestes quatro dias de muita aventura suor e diversão .

















sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

E o irmão lembrou ...

Pois é, um passeio por africa que inclui uma passagem pelo Namibe...é para ficar na recordação de todos os participantes...para mim ficam as memórias de tempos vividos em áfrica e de campanhas de verão no deserto do Namibe...fica a nostalgia do pôr do sol..da textura da areia...do silêncio da presença invisivel do leão ao avistar a gazela abatida debaixo da espinheira com a coxa trazeira arrancada pelo dente do bicho...o silêncio cortado pelo canto das cigarras á medida que o calor apertava....pois.. e o rio de águas frescas e margens de água quente....afinal corria numa cratera de um vulcão extinto á milhões de anos...pois é....era assim....era um belo oásis que dava pelo nome de Pediva....Aos que vão, desejo um bom passeio, que possam disfrutar de todos os momentos...porque dificilmente esquecerão....

Maria helena magalhães disse...

Preparando o raide ao deserto do NamibeO encontro foi marcado em Sangano, com almoço no “Careca”, bar da praia. O pretexto, se pretexto preciso fosse para rumar à beira-mar, era preparar a expedição ao deserto do Namibe, designação talvez pomposa para a passeata que se avizinha e a que o empenhado grupo organizador, e isto sim é exagero porque, ao que sei, são apenas duas pessoas a trabalhar, deu o nome de “ 1º raide deserto do Namibe”*. Dos dois “carolas”, ambos de lusa nacionalidade, um é angolano de nascimento, de pátria e de coração, apaixonado pela terra e pelas gentes, capaz de galgar estradas e picadas, sobretudo picadas, prefere, em busca de um naco de paisagem num recanto da natureza. E fá-lo com tal alegria e afinco que arrasta outros, porventura menos afoitos, na corrida. Neste caso deu em raide. E vão fazer-se à estrada mais de trinta patrícios, distribuídos por doze “jipes”. Não fica nada mal chamar-lhe raide….A manhã foi escorrendo mansa na extensão do areal, a caminhada solta à borda-d’água, a cada passo mar adentro, com modos, que mesmo se se não mostra alteroso não é para brincadeiras, é senhor de respeito, a água a refrescar, sem arrepiar, os corpos espevitados pelo sol, senhor de larguezas, a espraiar-se despudoradamente sobre a praia. Sem sombra nem abrigo, larga faixa de areias claras à beira-mar estendida.A dado trecho, lá para os lados do “Careca”, a aldeia dos pescadores , casas-cubatas colmadas, e estendais de seca do peixe, entrincheiradas por entre palmeiras e arbustos, vai-se desamodorrando das lides caseiras e vai dando à praia garridice de mulheres e revoadas de putos, seminus, porque à praia começam a dar os barcos saídos cedo para a faina. Os homens puxam os barcos, e todos ajudam, amanham o peixe logo ali e com poucas palavras, compenetrados no seu labor, vão fazendo o preço ao peixe que grupos de veraneantes se aprestam a querer comprar. Quando se avista o barco a chegar é um vê-se-te-avias de pretendentes, malas térmicas acauteladas, a espreitar o bojo atascado de peixes, a pasmar pelos tamanhos e variedade, a propôr a compra de ocasião, e os homens, os pescadores, como se não fosse nada com eles, vão fazendo o negócio. E bom negócio faz quem compra, ora bem, que peixe assim tão fresco e tão à mão não é oportunidade que se desperdice; em Luanda, se se lhe chegar, há-de custar talvez quatro ou cinco vezes mais. Alguém ganhará com isso que não o pescador. Enquanto a azáfama de chega e puxa barco, mira e compra peixe, todos aparentemente se amontoam, turistas e nativos, mas o certo é que novidade é para os que chegam, porque os outros, os habitantes da aldeia, não parecem minimamente afectados pelo reboliço, dão-se à rotina do trabalho, reservados e indiferentes, como senhores do sítio, que o são: na praia nascem, crescem e vivem, e, se não no mar, morrem. Dos que chegam a banhos e partem ao entardecer observam os gestos e os costumes, de soslaio, sem se darem por achados. Gente com dignidade.Chegada a hora do almoço, o sol a pino a esbrasear tudo e todos, a sede aperta e até já se come com os olhos. Os petiscos amariscados aprumam-se na mesa enquanto se aguarda o misto de peixe grelhado: lagosta, linguado, corvina, garoupa, de tudo um pouco e a contento dos gostos. De caminho vai-se apalavrando a viagem, acertam-se pormenores, e os chamados chefes de viatura, os homens desta faina, previnem-se com mais uma cópida do road-book, que a viagem é dura, impõe-se o respeito das regras , e não pode haver desculpas por alegado desconhecimento do acordado e estipulado. Está tudo escrito, e à disposição dos excursionistas, na brochura “ 1º RAIDE Edifer Angola”*, também acessível em http://ediferangolatt.blogspot.com/ .Para já está prevista a partida no próximo sábado, dia 21, às 3h30, concentração no Largo 1º de Maio, em Luanda; almoço no Huambo e dormida no Lubango. O dia promete e os que se lhe seguem não lhe ficam atrás. Que a alegria e a boa disposição acompanhem a jornada. Que o lavar de olhos das lonjuras e o desenxovalhar de alma da beleza das paisagens engulam a poeira, o calor e o cansaço. Que do raide nos fique um saber a pouco e um querer mais.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Briefing


A organização realizou o Briefing onde passou um conjunto de informações importantes para o bom desenrolar do Raide.
De entre varias dicas e informações destaca-se a antecipação da hora de partida para as 3:30 horas do largo 1º de Maio em Luanda.